quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Clarice Lispector


Gotas de Água Viva

Depois de um dia afogante e do retorno ao lar me veio a lembrança de um livro. Era o Água Viva da Clarice. Recordo o li de uma única sentada. Abri o livro reli os trechos grifados e retirei uns suspiros para registro...

“Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro. Vou agora parar um pouco para me aprofundar mais. Depois eu volto. Voltei. Fui existindo.”
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“Escuta: eu te deixo ser. Deixa-me ser então.”
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“Vou te fazer uma confissão: estou um pouco assustada. É que não sei aonde me levará esta minha liberdade. Não é arbitrária nem libertina. Mas estou solta.”
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“Para te escrever eu antes me perfumo toda.”
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“Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha.”
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“Depois de certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha. É um rosto nu. E quando penso que inexiste um igual ao meu no mundo, fico de susto alegre.”
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“Eu, que corro nervosa e só a realidade me delimita.”
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“Mas por que esse mal-estar? É porque não estou vivendo do único modo que existe para cada um de se viver e nem sei qual é. (…) Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.”
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“O jasmim é dos namorados. Dá vontade de pôr reticências agora.”
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“Mas como fazer se não te enterneces com meus defeitos, enquanto eu amei os teus.”
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“Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.”
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“Dor é vida exacerbada. O processo dói. Via-a-ser é uma lenta e lenta dor boa. É o espreguiçamento amplo até onde a pessoa pode se esticar. E o sangue agradece. Respiro, respiro.”
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“Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar só uma vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor da nossa verdade.”
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“Aliás não quero morrer. Recuso-me contra “Deus”. Vamos não morrer como desafio?”
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“Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer - e respondo a toda essa infâmia com - exatamente isto que vai agora ficar escrito - e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. (…) Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas - porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou - apesar de tudo oh apesar de tudo - estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras.”
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“O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre. Tenho medo do domingo maldito que me liquifica.”
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“Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não pára, viver parece ter sono e não poder dormir - viver é incômodo.”
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“É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas. (…) E eu tava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói.”
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“Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio.”

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