segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Homens da rua


Enquanto ainda houver os elogios da rua, dos pedreiros, dos taxistas do ponto, dos camelôs, "delícia", "gostosa", "que peitão", nem tudo está perdido. Ana Maria testava nas calçadas esburacadas que estragavam seus sapatos de salto alto, que a faziam torcer o pé semanalmente, a última tendência da moda. Gostava de chamar o que ouvia nas ruas de "pesquisa quantitativa". Que desperdício, pensava. Mas sempre sorria, mais para incentivar do que agradecer. As mulheres não são nada sem os homens da rua.Todo dia ouvia alguma coisa no caminho até o metrô. Levava mais em consideração o que falavam os pedestres de sempre, da vizinhança. Eram de confiança. Seu predileto era o camelô em frente ao supermercado. Homem de bom gosto, esse. Vendia bijuterias de latão fingido de prata ao lado de colheres de pau firmes e envernizadas. Ana Maria gostava do que ele dizia. Era o único que também elogiava quando ela não vestia o fácil decote, turbinado pelo andar apressado. Ele, sim, entendia de moda, de elegância, de classe. Era o seu preferido.Mesmo no frio, com o corpo coberto por meia-calça, saia, bota, blusa, blusa, casaco e cachecol, ele era capaz de comentar alguma coisa.-- Que gata!-- Obrigada, respondeu ela, pela primeira vez se dirigindo a ele.-- A senhora merece, disse ele, sem graça, sem atrevimento.-- Não precisa me chamar de senhora. Quantos anos você acha que eu tenho?-- Uns 20, ele chutou. A senhora quer ver uns brincos?-- Não, obrigada, hoje não. Só quis agradecer o elogio. Tenho 32.-- Tamo sempre aí, senhora! O que é bonito é pra ser visto, disse, já impaciente pelas freguesas que, sem elogios, passavam sem nem olhar para a banca.-- É bom saber, moro aqui pertinho, sempre passo aqui, achei que deveria responder alguma coisa hoje.-- A senhora tá de parabéns!-- Obrigada de novo. Quanto é essa colher? É boa?-- Sete reais, mas, para a senhora, faço por cinco. Vai levar?-- Vou, sim.-- É para já.Ana Maria pegou o saco plástico com a colher, enfiou na bolsa e entrou no metrô, a caminho do trabalho, na avenida Paulista. Xingava todo dia a calçada grande, mas irregular, esburacada, com pedras faltando. Também reclamava da indiferença dos homens de gravata. Esses só pensam em dinheiro, nem têm tempo para olhar uma mulher.Trabalhou pela manhã, almoçou no quilo ali da alameda Campinas, pagou a saladinha com coca-light com tíquete-refeição, falou no telefone com a mãe, dispensou a cervejinha para comemorar o aniversário do Wagner, do Administrativo, voltou para casa.Decidiu que iria fazer só para ela um prato especial para o jantar, um salmão grelhado com a salada que a Vânia, da mesa ao lado do escritório, tinha passado a receita. O diferente era o molho, com folha de mostarda e nozes. Abriu o vinho de doze reais, acendeu a vela de dois reais, colocou um CD calminho, baixinho. Não brindou. Entre a segunda e a terceira garfada, disse, em voz alta, olhando para o prato: "Amanhã vou de decote".

Por: David Denby

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