terça-feira, 13 de janeiro de 2009


O brasileiro Cildo Meireles consagra-se como um dos principais nomes da arte contemporânea do mundo, com uma retrospectiva na galeria Tate Modern, de Londres.

"Arte sem bula. Ele conta que há mais de quatro décadas acontece sempre de um jeito meio parecido. Uma espécie de relâmpago o deixa sem muita escolha senão deixar-se levar pelo impulso. "É quando passa pela sua cabeça uma coisa que você não sabe o que é, não consegue definir o contorno, nada. Só sabe que precisa buscar aquilo", explica. É assim, entre uma tempestade interna e outra, que ele vem construindo um dos mais consistentes e inventivos legados de sua geração. Uma preocupação constante, no entanto, costura sua variada produção, que se desdobra em objetos, instalações e intervenções: a ampliação da idéia convencional de espaço. Diante de uma criação de Cildo, existe sempre o convite intrigante para investigar as possibilidades de novas relações entre o ambiente e os elementos dispostos nele. Esse forte caráter reflexivo de seus trabalhos faz com que parte da crítica internacional o considere um artista conceitual, mas sua arte não cabe em uma definição única. Suas peças também seduzem o espectador e esbanjam beleza, indo nesse sentido um pouco na contramão dos conceitos mais caros aos principais nomes contemporâneos. "Ele alia contundência plástica ao pensamento. Em obras como Desvio para o Vermelho (feita entre 1967 e 1984, com três ambientes completamente vermelhos e pertencente ao Instituto Cultural Inhotim, em Minas Gerais), o espetáculo não é um elemento negativo como muitos vêem hoje. E, além disso, para usar uma palavra pouco usual na atualidade, trata-se de uma instalação muito bonita", diz o crítico Paulo Sergio Duarte. Na Tate, ao lado de Desvio para o Vermelho, fica Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola (obra em que o artista pintava frases com críticas ao sistema em garrafas de refrigerante e depois as devolvia para o mercado), de 1970. Para a co-curadora da 28ª Bienal de São Paulo, Ana Paula Cohen, as garrafas, umas das peças mais antigas apresentadas agora em Londres, continuam sendo um estímulo bem pertinente para pensar as práticas artísticas: "Com elas, Cildo falava na existência de circuitos em uma sociedade de consumo. Dessa maneira, ele trazia para a arte a consciência de que os espaços em que a gente vive são expandidos, ao mesmo tempo em que expandia a arte para além de seus domínios". Depois disso, o artista enveredou por um momento mais crítico, embora tente fugir a todo custo dessa classificação. "Até então eu participava das movimentações políticas da época, mas minha produção se mantinha longe disso. Com o assassinato de Edson Luís (estudante de 16 anos morto durante uma manifestação no Rio de Janeiro, em 1968) pela ditadura e o fechamento de uma exposição no MAM do Rio, em 1969, senti um impulso natural para tratar dessas questões. Foi uma tomada de posição", relembra Cildo. "Mas passei a década de 90 tentando fugir do estereótipo de arte política. Sempre tive problema, uma quase implicância com essa idéia panfletária. Ela reduz o trabalho."Não é o que pensa o crítico Frederico Morais. "Eu e o Cildo temos uma divergência amigável, afetiva até, porque tendo muito a fazer uma leitura política do trabalho dele, o que não exclui os outros aspectos. Todas as suas obras têm conceito, raciocínio, uma cota de mistério, e ao mesmo tempo são visualmente sedutoras", aponta. Ao menos uma pitada desse espírito está representada na seleção da Tate pela instalação Missão/Missões (Como Construir Catedrais), realizada em 1987. Inspirada nas missões jesuíticas do extremo sul do país, a peça traduz-se em um chão coberto com 600 mil moedas e ligado a um teto com 2 mil ossos por uma coluna de 800 hóstias. "Essa criação marcou a entrada definitiva de Cildo Meireles no cenário internacional, quando foi integrada à mostra Magiciens de la Terre, no Centro Georges Pompidou, em Paris", diz Morais. Depois de Londres, a mostra cumpre um roteiro que inclui ainda Barcelona, Houston, Los Angeles e Toronto. Grandes centros culturais poderão, portanto, analisar de perto uma obra aberta a muitas interpretações, como bem resume a crítica Luisa Duarte: "Os artistas de hoje que buscam um viés crítico, político ou ético em seus trabalhos deviam ter Cildo como um exemplo de como possuir um conceito forte sem perder de vista a eloqüência da linguagem, sem ser literal. Ninguém precisa de uma bula para entrar em uma obra dele. Elas têm um impacto profundo em quem as vê."
viva o Brasil!

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