O homem; as viagens
Carlos Drummond de Andrade 100 anos: 1902-2002
O homem,
bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,vê o visto — é isto?
idemidemidem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol,
falso touro espanhol domado.
Restam outros sistemas fora do solar a col-onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem (estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo: pôr o pé no chão do seu coração experimentar colonizar civilizar humanizar o homem descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de con-viver.
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