quarta-feira, 12 de agosto de 2009


Os canalhas voltaram a se encontrar na Caverna do Ratão. Depois de meses sem notícias. Canalha só é notícia quando morto. Quando vivo, é boato. Um deles se separou. O Flaviano... Oh o Flaviano. Seu nome é uma promoção de batismo: para facilitar, o apelido veio junto. Com o capote dobrado nos braços e as pernas trêmulas das esquinas, o sujeito exalava maldição. Percebe-se o desespero masculino pelos arranhões do pescoço. Uma vez feliz, o homem faz a barba com calma. A gilete antecipa o estado de seu pulso. O amigo estava mesmo devastado Devastado e solteiro. Um monturo de insetos e insignificâncias. Suas palavras tentavam abrir uma porta deitada. Não deixava a espuma do chope crescer em bigode. Flaviano piorava a bebida. Soprou a brancura para longe. Ao largar sua mulher ciumenta, jurou que teria mais tempo e poderia freqüentar as amantes com intensidade. Rosnou de felicidade aos colegas de trabalho: "Um pequeno passo fora de casa, um gigantesco salto de cerca". Não se preocuparia com os horários apertados, completaria programas com longevidade e folga, avançaria na madrugada, tiraria o atraso do cinema. Dependendo do bom humor e da brisa, cederia ao luxo de andar de mãos dadas com uma delas na Usina do Gasômetro. De repente, até dormiria de conchinha e permaneceria para o café da manhã. Coisas que nem sonhava quando casado. Aceitaria os romances à luz do dia, sem controlar os lados, rasgar os recibos e desconfiar de conhecidos. Acabava a pressa clandestina. Afinal, as amantes desejavam namorá-lo, exaustas da monotonia dos motéis e ladeiras, das frestas e desculpas. O divórcio produziria uma derradeira recompensa romântica às outras, livres da exclusividade matrimonial dos finais de semana e dos feriados. Agora o harém cantaria alto. Agendaria uma noite com cada uma e não se prenderia a mais nada que não fosse seu prazer. Mas o que aconteceu foi totalmente inesperado. Separado, ninguém mais o desejava. O telefone não tocava, torpedos não barulhavam a mesa, o charme entrou na reserva. Ele ficou se sentindo menos do que um asilo. Menos porque sequer tinha horário de visita. Flaviano descobriu uma verdade cortante: as amantes morrem com a esposa. Desaparecem com o divórcio. Não há como carregá-las para uma nova relação. Elas são estranhamente fiéis.

De: Fabrício Carpejar

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